Fotografo Conferências – XXII Conferência Human Resources

Vice-almirante Henrique Gouveia e Melo

Vice-almirante Henrique Gouveia e Melo

O vice-almirante Henrique Gouveia e Melo, o líder por detrás do feito de ter sido Portugal o primeiro país do mundo a vacinar 85% da população, foi o keynote speaker da XXII Conferência Human Resources. A intervenção em que, de forma humilde e genuína, falou dos ingredientes para uma boa liderança, usando o seu próprio exemplo, mereceu uma ovação de pé.

Coordenador da Task Force para a vacinação contra a COVID-19 em Portugal entre 3 de Fevereiro e 18 de Setembro de 2021, funções que acumulou com a de adjunto para o Planeamento e Coordenação do Estado-Maior General das Forças Armadas, Henrique Gouveia e Melo liderou uma das maiores uma das maiores operações de emergência de sempre em Portugal – vacinar massivamente a população para reduzir o ritmo de contagio e, sobretudo, de mortes. Não só conseguiu, como colocou Portugal no mapa da luta contra a COVID-19 através da vacinação como o melhor do mundo. E foi com base nesta missão que falou à plateia presente no Museu do Oriente, em Lisboa, e aos mais de 55 mil que assistiram online, sobre liderança.

«Não há liderança sem objectivos claros», começou por sublinhar o vice-almirante Gouveia e Melo. Foi esse o ponto de partida para a missão que assumiu. «Ter um conjunto claro de objectivos cria norte na organização. Sem isso, é difícil comportar-se como um todo. O norte funciona como um campo magnético, todas as partículas se orientam e são atraídas para ele. E é ter objectivos claros e simples que cria esse campo magnético.» Por outro lado, definir metas, e atingi-las, ajuda a atingir o sucesso. Por isso não devemos definir metas demasiado difíceis de alcançar logo ao início, para criar onde de sucesso, bom karma»

Para que um líder consiga definir objectivos, é também «fundamental ter visão», destacou. «Um líder não pode ser o somatório dos colaboradores, e também não pode estar a negociar constantemente. Tem que definir os objectivos, olhar para a frente e perceber o que é preciso para os alcançar.»

De seguida, Gouveia e Melo destacou a importância da justiça. «Foi preciso assegurar que havia justiça na vacinação. Isso significava vacinar primeiro os mais vulneráveis e depois os resilientes, ou seja, os que tratam dos mais vulneráveis. Numa terceira fase, os outros, com base na regra etária, para que o critério fosse justo e facilmente compreensível.»

Ressalva no entanto que «um líder não tem que ser popular, tem que ser justo, constante, íntegro e honesto. Se isto acontecer, é muito difícil as pessoas não o seguirem. Há muitos estilos de liderança», faz notar. «Às vezes é preciso ser mais democrático e negocial, outras mais autocrático. Usei uma liderança consentida. Isso implica que queriam que sejamos os líderes. Como é que isso se faz, com utilidade percebida.

Outro aspecto que considera central na liderança é a organização, «caso contrário, tudo colapsa». E dá um exemplo: «Ao início, havia a ideia peregrina de que se podia fazer este processo de vacinação como se fosse a vacina da gripe, ignorando-se duas diferenças fundamentais: queríamos vacinar 9 milhões de pessoas, vezes duas doses, ou seja, administrar 18 milhões de vacinas, enquanto na vacina da gripe estamos a falar de um milhão, e, por outro lado, toda a segurança que era preciso garantir. Foi por isso que pensámos ir para pavilhões, e testamos a organização com militares.»

«Depois de garantir a organização, é preciso controlar», acrescentou. «Ver se há recursos suficientes e se estão a executar de forma correcta. O dia começava sempre com briefing com os indicadores, que eram disponibilizados para todos, para que fossem compreendidos. Observar, orientar, decidir e agir. Foi este o ciclo constante durante a pandemia, um ciclo diário. Foi a organização e controle que nos permitiu conseguir vacinar, em média, 100 mil pessoas por dia, sem falhas. Sem controle não há liderança.»

Para o vice-almirante, um líder também de ter sentido de oportunidadecapacidade de adaptação e flexibilidade, porque «a situação real não se apresenta como queremos, é o que é. Conta mais um episódio: «A determinada altura houve um erro e o SNS agendou o dobro das pessoas que seria previsto. A minha primeira preocupação foi garantir que existiam vacinas suficientes. Havia. Não íamos desmarcar as pessoas porque isso ia comprometer o processo e a confiança, por isso foi preciso um “golpe de rins” para contornar o obstáculo.»

Este exemplo leva a outros dos factores incontornáveis para uma boa liderança: a comunicação e o exemplo. Para se antecipar ao problema, Henrique Gouveia e Melo foi à televisão, pedir desculpa aos portugueses pelas filas que iam haver. «Mas quis fazer ver que era o Dia D, o dia do desembarque da Normandia. Era o ritmo do vírus contra o ritmo de vacinação, e era precisa a colaboração de todos. E as pessoas tiveram uma paciência inacreditável.»

Nesses dias, o vice-almirante foi aos piores sítios, porque acredita que a liderança se faz pelo exemplo. Não se pode fugir quando as coisas não correm como queremos. Tem que se dar o exemplo, aparecer, dar a cara», afirmou. Foi também isso que fez quando na altura em que foi professor dos comandantes dos submarinos, que são «testados até ao limite, é muito duro. Os alunos dormiam no chão, e eu dormia em cima de uma mesa, de uma tábua, sem almofada, nem cobertor», partilhou.

Mas a comunicação foi essencial, e é sempre, na liderança, tendo que ser adaptada e diferenciada consoante o público. Dá outro exemplo, do dia em que recebeu o testemunho para liderar a task force. «Perguntaram-me logo o que tinha a dizer e a resposta foi “Não gosto de malandros”», Explicou que disse isso porque o problema que se vinha a verificar era «muitas pessoas a “furar as filas”. «Depois mandei a PJ ir verificar como estava a decorrer o processo e as pessoas interiorizaram que não era a brincar. Perceberam que para “malandros” sou impiedoso, EE que o castigo era público. Perceberam que era a sério e que não havia cá amigos nem margem para negociações.»

No dia seguinte apareceu de camuflado e não de farda. E isso não foi inocente, O objectivo foi passar uma mensagem clara: «Criar uma retórica de guerra, porque era disso que se tratava. Era preciso perceber que estávamos a ser atacados por um vírus perigosíssimo e que era fundamental as pessoas se vacinarem, para se protegerem a si, às suas família e à comunidade. Este vírus matou mais pessoas em um ano do que guerras de 13 anos. Foi assim que combati o negacionismo e foi por isso que apareci sempre de camuflado. Era mesmo uma guerra»

Partilha outra história, de quando teve que enfrentar uma manifestação de pessoas que o chamavam de assassino. «Queriam que eu entrasse pela porta das traseiras, mas recusei-me. Eu, militar, alguma vez ia entrar pelas traseiras. Passei por eles como um navio, a afastar as águas. E limitei-me a dizer que o assassino era o vírus e que todos eles estavam a ajudar ao genocídio. E com esta retórica separei a comunidade, nós, dos malucos.»

«Disse outras coisas que um político nunca diria», acrescentou ainda. «Disse que colinho dá a mãe, em casa, porque uns eram coitadinhos que tinham que dar a vacina, outros porque tinham que a levar… Não podia haver medo de dizer à população o que tinha que ser dito. E avisei logo que não ia haver férias para quem estava no processo de vacinação. É importante usar uma linguagem directa, explicativa, simples e compreensível.

Isto demonstra ainda outras duas características que o vice-almirante Henrique Gouveia e Melo sublinha que os líderes precisam ter: Coragem e confiança no que se está a fazer. «Não se pode ter medo de perder a liderança. Só assim é possível manter não perder o foco, durante um processo complexo. E o processo era complexo porque era urgente e massivo, em simultâneo.»

A propósito do foco, mais uma característica de liderança que identifica como fundamental, revela: «Tentaram desfocar.me várias vezes. E se fossemos vacinar no Algarve, por causa do turismo?! E se vacinássemos os polícias?! Defini objectivos e o processo e não ia comprometer isso. Se quisessem fazer de outra maneira, arranjassem outro.»

Henrique Gouveia e Melo acrescenta ainda uma outra característica, o conhecimento, a experiência e a prática. Se não simplesmente um líder nomeado e não se perceba o que pode acrescentar, o valor que pode trazer, não será respeitado»

Conclui, criticando a ideia que parece existir de que só o que vem do estrangeiro é que é bom. «Nos portugueses temos algum gene mau?! Foi um prazer tremendo que, juntos – task force e comunidade –, tenhamos conseguido ser os primeiros do mundo, ser o exemplo. Nunca se ponham de joelhos, senão são esmagados. Um líder, se tem que morrer, morre de pé.»

Fonte texto: Gouveia e Melo: «Um líder não tem de ser popular, tem de ser justo. E íntegro. Se isto acontecer, dificilmente não vai ser seguido.» – Human Resources (sapo.pt)

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